A Magia não é um caminho fácil

Em se tratando de magia, não existem caminhos fáceis. As bençãos nem sempre são proporcionais às ordálias. Isso ocorre pq o tapa marca mais que o beijo.
Existem aqueles que tentam desmistificar a magia, tratando-a como artigo de beleza, como uma roupa ou maquiagem que torna a realidade algo mais agradável à vista humana do que a aspereza do terreno realmente faz sentir. No entanto, magia não é algo a ser comprado, vestido ou maquiado. Infelizmente, mais do que fazer o caminho menos pedregoso ao caminhante, essas pessoas apenas desviam o estudante daquilo que é sério, daquilo que é vivido e que marca não apenas a carne, mas marca o espírito com cicatrizes espirituais.
Tratamos extensamente desses temas nos CODEX 06 – Como se estuda Magia, e no CODEX 13 – O Mapa da Consciência. Há o caminho da Espada e há o caminho da Serpente. Ao primeiro, completa o segundo. Não como anteposição, mas como aprofundamento e complemento. O primeiro é característico do começo da jornada, onde a curiosidade impulsiona a caminhada. Os passos são vascilantes, mas os passos são largos e descuidados, o que provoca muitas quedas pelo caminho. O segundo, é caracterizado pela disciplina e pela seleção criteriosa daquilo que se estuda e se pratica.
A magia ocidental se caracterizou a partir do início do século XX, pelo magista de gabinete ou de escritório. Leitores de livros de magia que iluminados por fraca luz pavoneiam pelo mundo fazendo caras e bocas, como se fossem grandes magistas, capazes de dobrar a realidade segundo seus interesses, mas não passando de grandes charlatães que nada fazem alem de falar e falar.
Thoth (Djehut) é a versão egípcia que deu origem ao Hermes grego e ao Mercúrio romano. Era sempre acompanhado por um babuíno que era o encarregado de levar seus ensinamentos aos homens. Thoth era um deus psicopompo, ou seja, um condutor de almas. Quando o babuíno transmitia o conhecimento aos homens, sempre invertia ou corrompia as informações para confundir o ser humano na sua jornada com a desculpa de que se o magista fosse merecedor, seria capaz de separar o joio do trigo. Devido a esse aspecto (bem ilustrado no Arcano I – O Mago do Tarot de Thoth ou Tarot de Crowley), entre os gregos Hermes era ao mesmo tempo o mensageiro dos deuses, dos mentirosos e dos ladrões. Por isso em alguns tarots, a carta recebe o nome de “pretididigator” ou “embusteiro/enganador”. E entre os gregos também desaparece a figura do babuíno, deixando a separação entre o condutor de almas e o enganador mais tênue e difícil de compreender.
Eliphas Levi no seu livro “Dogma e Ritual da Alta Magia” (ed. Pensamento, pág.77) nos alerta: “No caminho das altas ciências, não convém empenhar-se temerariamente, mas, uma vez em caminho, é preciso chegar ou perecer. Duvidar é ficar louco, parar é cair; voltar para trás é precipitar-se num abismo”. Portanto, podemos dizer ao leitor dessas linhas, que toda e qualquer pasteurização, cujo sentido é suavizar o caminho do magista iniciante, é um grande engano e só pode conduzir ao erro e ao desespêro, causando sem dúvida danos irreparáveis ao estudante incauto.
A estes, só podemos lamentar, pois o caminho traçado será o da auto-destruição.
Nos sistemas iniciáticos orientais, como a alquimia taoísta, o que separa o iniciante do mestre é apenas o empenho e a perfeição adquiridas pela prática consistente. O termo “Kung Fu” não se refere como muitos pensam a uma arte marcial, mas pode ser traduzido mais acertadamente como “habilidade adquirida pelo trabalho e esforço por um longo tempo”. No caso do Qigong (Qi – energia, Gong – trabalho, portanto, trabalho de energia) ou no Tai Chi Chuan (Arte do Punho Supremo), os movimentos que o iniciante pratica e que o mestre pratica são exatamente os mesmos. Porém, o mestre que pratica por muitos anos a fio, por longos períodos diários, começa a ser ensinado pela própria energia (Qi).
No Ocidente aprendemos desde o final do séc. XIX e o início do séc. XX, a cultivar a mente se sobrepondo às demais habilidades inerentes ao ser humano. Porém, devemos sempre lembrar que somos um ser de múltipla existência: corpo, mente e espírito. Valorizar um desvalorizando o outro, equivale a tentar matar a fome lendo o cardápio do restaurante. A mera compreensão intelectual de determinado conhecimento não traz sabedoria ou controle. Traz apenas entendimento. E entender nem sempre nos habilita a dominar o objeto de estudo. Por exemplo: ler sobre violão não o torna um exímio instrumentista. Para ser um instrumentista é preciso práticar por muito tempo. Ou tratamos todas as partes de forma única, ou atrairemos sobre nós o desequilíbrio das demais partes que constituem nosso ser.
Antes de revelar aquilo que não pode ser revelado sem se tornar leviano, é melhor calar no presente momento, deixando aqui um espaço para o leitor tirar suas próprias conclusões e avaliar que caminho tem trilhado na sua prática.

PS: os citados textos podem ser encontrados em www.cih.org.br

Em L.L.L.L.,
Frater Goya