Estudo e pratico magia há 34 anos. Isso é quase 3/4 do tempo que estou vivo neste momento. Então, já vi de todos os tipos de pessoas buscarem o aprendizado da magia. Em 1991, ofereci no Consultório de Astrologia do qual era sócio na ocasião um curso de magia. No cartaz, incluí a famosa definição dada por Crowley: “MAGIA é a Arte ou Ciência de causar mudanças de acordo com a Vontade.”
Nessa época, Paulo Coelho estava no auge da fama dos seus livros, e Brida ainda estava recém saído do forno. Então, estudar astrologia, tarot, magia eram coisas ‘in’. Todo mundo que queria estar na crista da onda andava com um livro do Paulo Coelho na mão, e livros de auto-ajuda na outra. O consultório tinha um movimento bom: pessoas fazendo mapa astral, lendo tarot, tínhamos cursos regulares de astrologia, tarot, runas, e trouxemos o Olavo de Carvalho com a Astrocaracterologia pra Curitiba pela primeira vez. Posso dizer, avaliando à distância, que fizemos um trabalho inovador na ocasião.
Antes de continuar a história do curso, preciso explicar o que aconteceu antes disso: Como já disse outro dia em uma entrevista, livros de magia eram difíceis de se encontrar, e se fosse algo diferente de Papus, Levi e Blavatsky, daí a tarefa era quase impossível. Golden Dawn e Crowley eram materiais que apareciam raramente. Lembrando que não havia internet, e Marcelo Motta, Euclydes Lacerda e cia, eram do Rio de Janeiro, então se você não tivesse alguém que os apresentasse, não saberia da existência deles em outros estados.
Em Curitiba no geral, quem já tinha ouvido falar de Crowley era o pessoal do Osho/Pulsation, que usava o Tarot de Crowley pelo seu lado tântrico, estudando pelo livro do Zigler (Tarot, o Espelho da Alma), muito disseminado pela turma do Vivarta, que eu conheci em 1986, quando tive o primeiro contato com o Tarot de Crowley.
Até então (1986), minha visão de Crowley era baseada no que diziam dele e isso quer dizer que era totalmente contra o “Pior Homem do Mundo”. Quando me mostraram o Tarot de Thoth, eu percebi que ele havia colocado ali todo o conhecimento que possuía de magia. Comprei um Tarot de Thoth, e decidi entender o trabalho desse sujeito que eu tinha em tão baixa conta. Comecei a buscar e encomendar livros de fora do Brasil, em espanhol e inglês, pois nada havia traduzido. E foi assim, tentando entender Crowley, para criticá-lo, que comecei a estudar Thelema. E fazendo isso, não apenas comecei a entende-lo melhor, como a perceber que poucos autores no século XX tiveram uma produção tão importante para contribuir com a compreensão do pensamento mágico de nossa época. De crítico, passei a contribuir com a divulgação de Thelema.
Voltamos agora ao curso do início do artigo…
Na data marcada, uma segunda-feira, eu tinha 20 alunos inscritos para o curso. Assim que me apresentei e comecei a aula, uma das alunas levantou a mão e pediu se podia fazer uma pergunta. “Claro, respondi”. “Eu e minha colega nos matriculamos neste curso, porque somos leitoras do Paulo Coelho, e aprendemos com ele, que é um mago sério, que Crowley era a Besta. Então gostaríamos de saber se neste curso o senhor vai nos obrigar a fazer algum tipo de pacto ou algo de satânico, porque neste caso, iríamos abandonar o curso”.
“Bem, respondi, este é um curso de magia tradicional, ou magia clássica (teurgia, qabalah, astrologia, blablabla), então veremos vários temas, mas não me lembro de ter colocado a obrigatoriedade de vender a alma na hora da matrícula. Portanto, a senhora e sua amiga estão a salvo pelo menos por enquanto. Uma curiosidade: Vocês já leram Crowley? (Não…)- Já estudaram alguma coisa dele?
(Não…) – Então o único referencial sobre ele são os comentários do Paulo Coelho? (Sim…) Então, acredito senhoras, que antes de criticar alguém, primeiro tentem conhecer quem é e o que fez. Talvez isso no futuro seja algo de bom pra vocês”. Bem, basta dizer que ambas continuaram no curso, e tiveram uma mudança radical no seu ponto de vista.
E essa foi apenas uma parte do que pretendo comentar aqui a respeito de Crowley e de Thelema.
Crowley, por natureza, possui uma personalidade do tipo ame-o ou deixe-o. Pessoas que tiveram convívio com ele deram testemunho suficiente a respeito. Há uma entrevista de Israel Regardie a Christopher Hyatt em que ele cita tal aspecto. Logo, não me espanta que pessoas que nunca tiveram contato direto com o material escrito por ele, ou conheceram-no apenas pelo Liber Oz, tenham uma visão truncada, parcial e preconceituosa. Mas o que realmente me espanta, são os comentários de pseudo-ocultistas, que o criticam baseados em conhecimentos parciais e superficiais.
Em tempos de internet, conhecimento superficial, pseudo-abrangente e rápido. Todo mundo se acha um grande magista porque tem um HD de 2 terabytes entupido com tudo aquilo que a humanidade produziu nos últimos 5 mil anos de magia. No entanto, o que essas pessoas esquecem é o mais simples: conhecimento é poder, mas conhecimento não significa ter prateleiras cheias de livros não lidos, lidos pela metade ou pelas orelhas. Conhecimento corresponde a saber acumulado. E Abraham Lincoln já dizia:”Muito deve-se ler, muito deve-se esquecer, o que restar, é cultura”.
Qualquer pessoa hoje em dia, com um QI um pouco maior que o de uma samambaia, sabe fazer downloads e sabe fazer buscas pelo google.
Mas o que nem todos sabem, é o que fazer com toda informação obtida. Crowley e Mathers na sua época, tinha acesso o uma informação muito mais restrita do que temos hoje em dia. Sua pesquisa era baseada em livros ou registros que podiam por as mãos, ou bibliotecas e museus que pudessem ter acesso. Hoje em dia, os pseudos magistas tem acesso a tudo, mas não se apropriam de nada. Sabem de tudo, menos da sua própria ignorância.
Daí colocam-se a falar, ou melhor, a cuspir seu conhecimento ultra-acumulado de 6 meses de navegação madrugueira, posando-se de guardiões de um conhecimento inacessível (desde que não se digite uma palavra no google, ou a caixa de pandora será aberta e seus demônios revelados) – Ó Internet, teu nome é Choronzon…
E possuidores dessa petulância que faz a pior espiga de milho ser aquela mais atrevida olhando o céu de frente (a mais carregada se curva à terra, sua mãe), essas gralhas do conhecimento, grasnam: “Crowley está morto, chutai o cachorro morto!!!”- Enquanto escondidos, olham apaixonados à foto de Crowley dizendo: Eu sou sua reencarnação. Só posso lamentar, pois eles não entendem a diferença de ser “A Besta” e ser “Uma Besta” (deviam enxergar isso ao se perceberem de quatro patas). Eles dizem: Quem estuda Crowley?
Crowley está ultrapassado!” – Mas esquecem que não passam de pobres diabos falando mal do cafetão do inferno. Seria mais sábio se tivessem aprendido algo com o velho careca.
Mas pelo menos percebo que hoje em dia, nossos pequenos aprendizes de feiticeiro conseguiram uma realização muito maior que Crowley ou Mathers na sua época. Conseguiram transferir sua mente e seu espírito a esse lugar, casa do abstrato, chamado internet. No entanto, o que eles não percebem, é que, como Alice, estão presos agora do “Outro Lado do Espelho”. Aconselho a eles que, antes de atravessarem o deserto do real, dêem mais uma estudada na bibliografia do Liber E, e talvez percebam que diferente deles, Crowley já havia trilhado este caminho. E diferente deles, ele voltou. Eles no entanto, nos fitam do lado de lá do brilhante portal, sonhando como seria bom estar livres da sua própria assombração…