Sozinho

Curitiba, quarta-feira,
11 de julho de 2007 11:40

An iv15 Sol 19º Cancer,
Luna 19° Gemini Dies Mercurii

Hoje estou um tanto estranho. Desde a noite passada não dormi muito. Foram apenas 3 horas de repouso entrecortadas por perí­odos de semi-consciência. Fiquei a manhã inteira meio distante, como se estivesse num estado de leve embriaguez.
Não era sintoma do cansaço, era outra coisa. Fiquei muito distante, num estado alterado de consciência. Cheguei até a ficar meio receoso de que alguém achasse que eu estava meio estranho…

Quando me sinto desse jeito, odeio ter muito contato com as pessoas, me sinto invadido por palavras, olhares, toques… É um momento que quero apenas estar só. Ficar só. Quieto. É como se a floresta tropical fosse castigada por tempestades imensas e de uma hora pra outra a tempestade simplesmente parasse.
É exatamente a mesma sensação, de voltar à normalidade aos poucos, restabelecendo o seu ser. Talvez alguém possa dizer que essa descrição é muito parecida com a de usuários de drogas. Mas afirmo categoricamente que não é o caso. Não costumo usar qualquer substância que me tire do meu prumo pessoal. Qualquer coisa que possa arriscar meu auto-controle.

Um pouco antes do meio dia, desci para o refeitório para ver se o almoço estava pronto. Essa semana estão acontecendo os Jogos Escolares, e o Colégio está fervendo de pessoas por todos os lados. E eu, tentando me isolar de tudo e de todos… Péssima idéia. Pensei em voltar para a sala, mas olhando para a escada, percebi que tentar subir era como nadar contra a corrente humana de pessoas que pareciam se derramar pelas escadas para poderem entrar na fila. Percebi que era mais interessante permanecer na fila tentando ficar invisí­vel.

Me concentrei na polegada maravilhosa, e voltei meus olhos para essa posição. Mesmo de olhos serrados percebia toda a movimentação ao redor. Me foquei na respiração, mantendo-a baixa, quase inexistente… 4×4, 6×6, 10×10, indo até 17×17. A fila permanecia parada para a entrada, mas as pessoas iam passando de um lado e de outro, em direção ao final dela. Foi então que comecei a perceber outra coisa: Eu estava com uma blusa de lã, pois o dia estava um tanto frio, e dentro do Colégio é ainda mais frio. Cada pessoa que passava ao meu lado, ou se aproximava num raio de 40 cm aproximadamente, era percebida pelo meu corpo, que percebia o calor individual de cada pessoa, mesmo que viessem em dois ou trás de cada vez. Percebia cada corpo por sua temperatura particular. E percebi que sentia também das pessoas atrás ou adiante da minha posição.


Demorei um pouco percebendo se não era apenas imaginação ou sensação térmica normal que nunca havia prestado atenção. Depois de um tempo pensando, cheguei à conclusão de que nunca havia percebido isso antes, e que se fosse uma sensação comum, eu já teria observado ela há muito tempo.

Fiquei alguns minutos assim, enquanto a fila andava, percebendo cada sensação dessas.
De repente, comecei a perceber que além do calor, eu também era capaz de identificar cada respiração separadamente. Sentia o ritmo, a profundidade, se era lenta ou rápida. Percebia se era grossa, fina, gorgolejante, áspera e quente ou fria.

Aumentei minha percepção, e ouvi os corações batendo. Aumentei mais minha concentração e alguns pensamentos se fizeram transparentes pra mim. Tudo parecia se mover extremamente lento, slow motion, quase quadro-a-quadro. Eu também me movia assim. Não que não pudesse me mover mais rápido, mas no momento, queria observar tudo calmamente, então me movi também quadro-a-quadro, acompanhando a cena.

Abri meus olhos, e só via pessoas com órbitas escuras, bocas salivantes, com as lí­nguas pendentes, como cães sedentos por um pouco de vida. Todos tinham um ar mortiço e desesperançado, numa alegria sufocante e absurda, como um boi que espera o momento do abate como se fosse libertação do espí­rito. Mas era apenas a fila da comida. Perdi completamente o apetite, e só me restou a opção de pegar uma laranja para o lanche mais tarde, e subir as escadas para conquistar uma solidão por pelo menos uma hora, distante do bizarro mundo das pessoas sedentas de vida.