07 de setembro de 2002

Cari Fratri et Sorores:
93!
Como todos sabem, nos últimos dias 06, 07 e 08 de setembro, realizamos na Chácara São Roque, atividades práticas do CIH. Para que sirva de inspiração a todos os estudantes, coloco abaixo, o meu diário referente a essa atividade, e irei pontuá-lo com os diários dos Artifex que lá estiveram, para que todos tenham uma idéia bastante completa do rolou por lá.
Leiam e aproveitem o que puderem do texto.

Atenciosamente,
Fr. Goya
93, 93/93

O DIÁRIO
Campo Largo, 07 de setembro de 2002 – Sábado
In Sol 15º16″ Virgem e Lua 28º42″ Virgem.
Dies Saturnii
Iní­cio do Ritual 23:00.
Final: 23:32.
Nesse fim-de-semana viemos à chácara com objetivos bem definidos. Há algumas semanas, durante uma reunião, decidimos fazer um encontro para a realização de invocações/evocações de elementais. De iní­cio, pensamos em várias opções como Goetia, assunção de formas divinas e elementais. Depois, ainda levantou-se a hipótese de todos poderem participar, mesmo os neófitos.
Conversando entre os membros do conselho vimos que não somente era melhor reduzir as práticas às invocações de elementais, mas também que apenas os membros do grau de artifex fariam tais rituais.
Desse empreendimento participaram os seguintes membros: Goya, Coatlicue, Theophana, Ametista, Thos, Suprema Indagatio, Hilarius e Djehut-ms.
Cito agora os temas que foram abordados durante esse fim-de-semana:
-O uso do Tarot como ferramenta mágica;
-O mago como medida de todas as coisas;
-Relação entre microcosmo/macrocosmo;
-Confecção de círculos mágicos e rituais de proteção;
-Avaliação do trabalho sobre tradição.
Não vou detalhar cada uma das atividades, pois isso tomaria um espaço excessivo e desnecessário. Irei direto a parte da confecção dos cí­rculos mágicos e do ritual em si, que é aquilo que deveria ser anotado em detalhes.
Aproximadamente às 17:30h, ainda sob a luz do sol, os quatro artifex (Goya, Coatlicue, Theophana e Thos), fizeram o cí­rculo e o triângulo usando o cal e as armas mágicas para encontrar as medidas corretas.
Depois do jantar, fizemos uma fogueira, onde conversamos sobre fraternidade e também ali foram passadas instruções adicionais sobre as invocações e os cuidados necessários. Ainda ao redor do fogo, foi distribuí­do entre os artifex um pantáculo onde deveriam desenhar o kerub do elemento a ser invocado.
Do outro lado, o sí­mbolo do CIH como restritor do elemento. Subimos até o local onde seriam feitas as invocações. Todos foram instruídos para não saí­rem dos cí­rculos até uma ordem minha. Todos levaram suas armas e apostilas para dentro do cí­rculo.
Antes de começar o ritual individual, dei uma volta ao redor, circunvolucionando com o Sol, usando sinos e afastando qualquer elemento profano que ali houvesse. Depois, o Fr. Djehut-ms fez o Banimento do Pentagrama, o Fr. Thos o Banimento do Hexagrama e a Sóror Theophana a Análise da Palavra Chave.
Como eu estava atento aos outros, para o caso de uma emergência, aguardei todos começarem para depois iniciar meu próprio ritual.
Dos 4 artifex, 3 escolheram o elemento Ar (Goya, Theophana, Thos) e 1 escolheu o elemento Terra

(Coatlicue). Antes de começarmos, havia uma grande preocupação com o vento, que poderia fazer voar os Pantáculos. A bandeira do CIH chegou a cair da árvore onde estava presa. Puxei a bandeira para dentro do meu cí­rculo e a deixei ali.

Thos “{ Quando começamos, estava muito calmo e consciente. O Marcos fez o Pentagrama, eu o Hexagrama (errei o terceiro, inverti) e a Theophana a Análise da Palavra Chave.
Depois o Anderson saiu de seu cí­rculo e começou a bater o sino e a falar: afaste-se o profano. A partir desse momento não senti mais nada fora do meu cí­rculo, parecia que só existia o espaço relacionado ao cí­rculo, nada acontecia fora dele. Nem me lembrei das outras pessoas que estavam assistindo.}
Quando comecei a minha invocação, percebi que o vento havia parado por completo. Nenhuma folha sequer se movia no chão. Os barulhos vindos do mato também cessaram. Eu estava tenso, mas segui confiante, pois já fiz esse tipo de ritual outras vezes com bons resultados. Conforme já era esperado, nenhum elemental se manifestou fisicamente no triângulo (antes que eu esqueça, devo citar que ao fazer a circunvolução, não percebi nenhuma energia estranha ou perigosa no local, o que era muito bom).
Durante a invocação, mantive a espada sobre o Pantáculo, retirando apenas nos momentos indicados no ritual. Tive nesse perí­odo uma sensação bastante interessante. Enquanto mantinha a espada sujeitando o Pantáculo, várias vezes senti minha mão ser repentinamente puxada e virada para cima. Resisti e mantive minha espada com firmeza.
Não ordenei ao elemento que se manifestasse naquele momento, mas pedi que durante a noite, o ar se manifestasse para efetivar minha invocação. Fiz meu pedido pessoal e encerrei o ritual.
Durante a experiência, ao olhar para baixo, via nitidamente o desenho do cí­rculo, mas o triângulo havia sumido e o pantáculo estava visí­vel, mas era como se estivesse em outra posição. Quando iluminava o local para onde estava a espada, ele ali se encontrava, mas quando apagava a lanterna, era como se ele escorregasse para o lado, em diagonal.

Theophana – {Estava apreensiva, ansiosa, com um pouco de medo de fazer algo errado. Tentei ficar calma, fiz a respiração em quatro tempos, tendo em mete meu pedido e o que eu ia fazer. Comecei e quanto mais me aproximava do fim do ritual, mais calma ficava (ao menos não sentia mais taquicardia). Fiz o pedido, sabendo da importância para mim, mas sem saber ao certo as palavras que usar. Achava que o triangulo não estava ní­tido porque eu estava sem óculos e com pouca luz. Reparei que não ventava por ali foi um pouco difí­cil virar a página da apostila. Sentia-me observada do lado direito (neófitos) e do esquerdo. Não vi nada. Apenas senti a atmosfera diferente. }
Thos ” {Quando fiz o pedido e fiquei “conversando” com os elementais um cheiro muito podre, bem acido entrou dentro do círculo, durou uns 2 segundos e depois veio o cheiro de mata. O engraçado é que antes disso, como eu falei, não existia floresta e não tinha nem sentido o cheiro de mato, foi como se uma rajada de ar passasse pelo círculo uma vez só, me fazendo perceber o lugar onde estava. Não sei o que falar sobre o cheiro ruim.
Quando comecei a falar para o espí­rito se manifesta no triângulo, senti que aquilo era forte e que ainda não tinha poder para fazer isso. O legal é que não conseguia enxergar o triângulo, a sua marca. Era como se uma fumaça transparente estivesse passando por cima dele. Era uma imagem idêntica a da fumaça de água quando evapora da chaleira. Sentia um peso, uma forca no triângulo, mas não vi nada. E ordenei que eles aparecessem no triângulo umas cinco vezes, depois vi que não ia dar nada e me despedi.
Minha espada quando apontava para o triângulo estava e ficava cada vez mais pesada como se atraí­da pelo triângulo. às vezes ela ameaçava, sutilmente, a virar, levando meu braço junto.}
Enquanto aguardava a Sóror Coatlicue terminar, comecei a perceber que alguns ruí­dos podiam ser ouvidos. Percebi um mugido afastado de uma vaca. Os cães subitamente começaram a latir, e havia também sons próximos vindos do mato, como se houvesse uma pessoa circulando ao nosso redor.

Coatlicue “{ Tinha uma lanterna em meu pescoço, mas não conseguia mantê-la acesa. Comecei a perceber sombras entre as Árvores e a ní­tida sensação de estar sendo observada entre as sombras, todas do meu lado esquerdo, lembrando que eu estava voltada para o Sul, então todas as sombras estavam no leste. Essas criaturas olhavam com curiosidade. O vento parou totalmente e reinava um silêncio completo, quebrado apenas por nossas vozes e chamados. Fui a última a terminar o ritual, no final do ritual, enquanto o Frater Goya se preparava para circunvolucionar o templo, ouvi um mugido estrangulado de uma vaca ao longe e o portão abrindo e fechando (tinha certeza que era o Williams, mas ninguém apareceu, e ele já estava dormindo neste horário). Minha pele estava gelada, mas eu não sentia frio.
Creio que vi salamandras quando estávamos ao redor da fogueira, vi faíscas subindo, e entre elas pequenos riscos com bifurcações que subiam. Será viagem minha e desejo de ver, ou realmente aconteceu tudo isso?}
Novamente foram feitos o RMBP, o RMBH, a Análise da Palavra Chave. Depois, saí­ do meu cí­rculo circunvolucionando com o Sol, como na abertura. Percebi que em alguns pontos (na figura que desenhei estão identificados como sombras) haviam sombras densas, quase fí­sicas, que se moviam lenta e curiosamente, como se estivessem observando. Continuei a circunvolucionar até o final.
Lembro-me agora que num dos pontos, entre eu e o Frater Suprema Indagatio, percebi uma sombra, e que o citado Frater várias vezes ficou olhando para esse mesmo ponto. Estaria ele percebendo algo?
Terminado o ritual, fomos ao chalé, deixar as coisas para buscar no dia seguinte. O Frater Djehut-ms conversou com todos colhendo depoimentos, que ainda não sei ao todo. Espero que ele envie seu diário de forma bem detalhada. O Frater Hilarius pareceu-me um pouco decepcionado. Qual seria a expectativa dele?
Depois, conversando ao redor da mesa, vimos que vários pontos das narrativas eram comuns. No retorno, antes de atravessar o rio, a sacola da Sóror Coatlicue se soltou, e o conteúdo teve que ser recolhido.
Pedi a todos que dormissem aquela noite com o punhal ao lado, para alguma eventualidade. Comentei que é comum depois de um ritual desses, alguma coisa estranha acontecer.
Sumir algo, achar coisas fora de lugar, etc.
Várias vezes perguntei aos participantes se a experiência havia valido a pena. Acho que fui bastante insistente, pois o Frater Hilarius disse que eu estava bem preocupado com o feedback. E estava. Depois de um ritual desses, nunca é demais perguntar.
A Sóror Coatlicue percebeu que havia perdido a bainha do punhal. Prometi que a encontraria na manhã seguinte, quando fosse buscar o material do chalé. Começou a ventar mais forte e a esfriar. Na cozinha, o plástico que havia na janela voou e bateu forte na casa. na casa. O Frater Suprema Indagatio fechou a janela.
Quando sentamos ao redor da mesa, a porta da casa, que estava fechada, abriu-se sozinha, e tive que levantar para fechá-la.
A Sóror Ametista percebeu o fato. Conversamos ainda bastante sobre diversos assuntos até aproximadamente 03:30h da manhã.
No dia seguinte, começamos a arrumar as coisas para retornar. Chamei os homens para juntos buscarmos o material lá no chalé. Na passada, procurei a bainha do punhal da Sóror Coatlicue e não encontrei. Depois, olhando para a encosta, vi a mesma caí­da entre a folhagem, distante quase 100 metros de onde deveria estar.
A Sóror Theophana comentou que dormiu mal, que havia recebido “visitas” à noite. Aguardo o diário dela para ter os detalhes.

Theophana ” { Lá pelas 3:00 da manhã fui dormir. Ajeitei a cama bem rápido, deixei a espada solta da bainha e perto de mim, como foi aconselhado (não sei até aonde tudo o que vou escrever foi indução, mas boa ou quase tudo foi sentido e de maneira nada sutil. Fiquei com medo mesmo!). Antes de entrar na casa, enquanto conversávamos na varanda reparei alguns dos cachorros sentados olhando para a parte de baixo da varanda. No quarto, só queria saber de dormir, estava com sono e cansada. Adormeci de leve, não lembro de ouvir os fratri que estavam na cozinha irem dormir. Ouvi um pouco de conversa. No escuro, além do frio, fiquei com uma sensação esquisita, de estranheza com o lugar. Por desencargo de consciência, decidi fazer o ritual de banimento (mentalmente) e falei baixo “Afaste-se o profano”. Lembro de sonhar com uma conversa com o Anderson na cozinha, mas não lembro sobre o que era. A conversa parou, eu tendo vontade de pedir arrego e sair do quarto. Vi deitada sobre a cama, com a mão na espada e de repente senti de novo uma “coisa” diferente comigo no quarto. Puxei a espada e sentada comecei a golpear o ar que pra minha surpresa oferecia resistência. E tive que fazer força para rasgá-lo. Acordei com taquicardia. A espada estava comigo. E eu com medo. Resolvi fazer de olhos abertos o ritual do banimento bem concentrada (deitada). Quando tracei o terceiro pentagrama (pensando se isso seria valido) ouvi uma voz dizer irritada “Pare com isso! Ou vai se arrepender”. Parei um instante e pensei que era burrice.
Terminei o ritual banindo o que fosse que estivesse ali com as frases “Afaste-se o profano! E Hekas hekas est bebeloi! Já irritada. Ordenei que sumisse e me deixasse dormir em paz.
Resolvi que precisava dormir e confiar que estava protegida.
Tive um sono leve, ouvi gente indo e vindo pela casa. Acordei e vi que estava amanhecendo. Voltei a dormir mais tranqüila. Quando ouvi a voz da Ruth e da Ana levante rapidinho, coloquei os sapatos e sai do quarto. Dei bom dia às duas e fui para o banheiro. Quando sai e vi a Ana meio assim. Perguntei se ela tinha dormido bem, se não tinha sonhado com nada. Ela respondeu que não, mas que tinha visto algo muito estranho naquele momento. Contou que na hora que eu abri a porta do quarto imediatamente a porta da cozinha e do quarto dela também se abriu. }
Acho que no geral, tivemos mais resultados do que estávamos esperando. No meu ver, foi muito bom. Serviu para inspirar a todos para fazerem mais práticas. Ainda pretendo aguardar uns dias antes de tentar interpretar tudo isso. Não importa se as sensações são fí­sicas ou psicológicas. O que importa é o resultado que causam. E nesse ponto, a atividade foi um sucesso. Aguardo os outros diários para comparar e tentar fazer uma versão única da história toda.
Fim.


Cari Fratri et Sorores:
93!
A seguir, coloco uma fantasia elaborada em conjunto com os Artifex, no melhor estilo RPG. Espero que se divirtam com as aventuras de nossos membros!
IMPORTANTE: Nada disso aconteceu. é uma FANTASIA.
Enjoy it!! Divirtam-se!!!
Atenciosamente,
Fr Goya
93, 93/93

A Invocação
Aproximadamente às 17:30, ainda sob a luz do sol, os quatro Artifex “Fr. Goya, Sr. Coatlicue, Sr. Theophana e Fr. Thos ” fizeram o cí­rculo e o triângulo usando o cal e as armas mágicas para encontrar as medidas corretas. O Cí­rculo da Sóror Coatlicue ficou tão grande que cabia ela, o ego e mais uma legião de quarenta demônios…Depois, desceram até a casa onde estavam hospedados para jantar e conversar sobre os últimos detalhes do que seria feito na ocasião.
Enquanto jantavam, sem perceber, a noite se tornou negra. Mais negra do que eles poderiam imaginar… Quando o jantar acabou, enquanto alguns ainda descansavam para se preparar para o ciclo de invocações, Fr. Goya, Fr. Suprema Indagatio e Fr. Thos decidiram ir até o pé do morro e fazer uma fogueira para poderem falar sobre as últimas instruções antes de começarem as atividades.
Ao chegarem perto da fogueira que iriam preparar, perceberam que a lenha estava encharcada, pela chuva da noite anterior. Gastaram quase uma caixa de fósforos para tentar acender e nada… O tempo corria agora contra eles, pois ainda deveriam ser passadas algumas instruções aos Artifex, e sem o fogo, o frio seria insuportável. Fr. Goya pede então ao Fr. Suprema Indagatio que aproxime a ponta de seu bastão do meio da pilha de lenha…
Quando o Frater aproxima o bastão e esse toca a lenha úmida… Surge uma pequena nuvem avermelhada que rodeia sobre si mesma, e quando atinge grande velocidade, explode, acendendo a pilha de madeira. O Fr. Suprema Indagatio cai para trás assustado, deixando cair o bastão da mão, como se queimasse.
Fr. Goya dá uma gargalhada alta, e diz:
-Ué, só usei o bastão de fogo, não era pra usar?
-Não gostei da brincadeira, devia ter avisado. Disse o Fr. Suprema Indagatio.
-Não deve ser usado sempre, mas às vezes ajuda. No caso, já estamos muito atrasados para prosseguir sem uma ajudinha…
-Oks, e quando vamos começar? – Diz Fr. Thos.
-Olhe lá. – Disse Fr. Goya apontando para a casa que ficava lá¡ embaixo, após o riacho. – A porta já está abrindo.
A porta da casa se abriu e por ela passaram os outros membros que iriam participar do ritual. Alguns minutos depois, já se ouviam as vozes e a luz de uma lanterna que subia o morro na direção da fogueira.
Um a um, todos foram se sentando ao redor do calor, formando uma ferradura, com o Fr. Goya sentado no meio do conjunto. O Fr. Goya lembrou a todos, os tempos primitivos, em que os homens se reuniam ao redor de uma fogueira na noite anterior de qualquer atividade importante para o grupo.
Lembrou ainda que naqueles tempos, o fogo era sí­mbolo da união entre as pessoas, por isso usamos a expressão “manter a chama viva”. Disse também que eles aproveitavam esses momentos para relembrar grandes feitos, celebrar e brincar, numa grande comemoração à vida.
Um dos momentos altos dessa ocasião foi quando cada membro que estava ali presente comentou sobre a importância de estarem ali juntos, ao redor do fogo, e de como tudo isso estava sendo importante para aumentar o sentimento de fraternidade do grupo.
Permaneceram ali por quase uma hora e meia. Depois, foram todos em fila indiana para o local determinado das invocações, onde já haviam sido traçados os cí­rculos mágicos.
Tinham ouvido notí­cias que o tempo ia piorar, ficando mais frio, ameaçando geada. Justo naquele momento, enquanto se dirigiam para os cí­rculos, perceberam que estava ficando cada vez mais frio, e o vento começava a soprar cada vez mais forte.
Sem a lanterna, não enxergavam além de um palmo diante do nariz.
Cada passo parecia mais arrastado que o anterior, e parecia que a escuridão da noite tomava forma palpável, pesando sobre os ombros de cada um deles. Fracasso não era uma palavra que existisse no dicionário daquelas pessoas. Por mais que o trecho fosse difí­cil, não iriam se deixar abater. Eles tinham vindo ali com um propósito, e era isso que iriam fazer.
Com passos lentos, mas decididos, venceram a distância até o pequeno chalé onde haviam deixado seus objetos mágicos e suas túnicas. Ninguém falava nada. Apenas foram pegando seus equipamentos (espada, punhal, bastão, etc…) e vestiram a Túnica Negra do Adepto.
O frio que fazia naquele momento já era suficiente pra desanimar qualquer um. Mas eles tinham ido ali com um propósito bem definido, e nada poderia tirá-los dali agora.
Levaram suas respectivas armas a seus cí­rculos e começaram a preparar tudo. O lampião foi colocado no meio da figura formada pelo conjunto de cí­rculos. Cada um dos Artifex estava voltado para fora do centro, e apenas Fr. Goya ficou voltado para dentro, de forma que se houvesse alguma emergência ele poderia intervir antes que qualquer um se machucasse.
Invocações nem sempre são as coisas mais felizes para se fazer como primeiro ritual. Na maioria dos casos, nada acontece, ou se acontece, não é aquilo que o Mago aprendiz havia pedido. Muitas são as dificuldades, e nesse grupo, a maioria estava em treinamento.
O vento agora aumenta sensivelmente. Não é que ventasse mais forte, mas parecia que o frio passava pelas roupas. Perto do chão ele corria ligeiro, e parecia que os pantáculos com os sí­mbolos dos elementos não iriam parar dentro do triângulo, a não ser que fossem afixados no solo. Sóror Theophana olhou rapidamente ao redor, verificando se o cí­rculo mágico ainda era mantido apesar do vento. Todos seguiram seu exemplo, mas mesmo com todo o vento, o cí­rculo se mantinha firme, como se já tivesse se fixado no solo, por alguma força sobrenatural.
Depois que todo material estava dentro do cí­rculo mágico, e todos os Artifex estarem devidamente posicionados, Frater Goya pediu que os assistentes realizassem os rituais de purificação e consagração do local. Ele mesmo saiu de seu cí­rculo mágico, e circunvolucionando com o sol, ordenou que todas as energias profanas que ali estivessem, que agora se afastassem, dando lugar à divindade. Com o sino numa das mãos, a espada na outra, permitiu que se abrisse ali um portal dimensional. Pois, “quando um sino bate, o universo pára, para que o Mago ordene”. E ele ordenou. Naquele instante preciso, tudo congelou. O próprio ar, parecia ter ficado diferente.
Voltando ao seu lugar no cí­rculo confeccionado por ele mesmo, segundo as medidas dadas pela tradição, ordenou que os assistentes fizessem sua parte.
Frater Djehut-ms levantou-se, avançou com o Sinal do que Entra, e realizou o Ritual Menor de Banimento do Pentagrama, eliminando as forças elementares. Frater Thos, por sua vez, realizou o Ritual Menor de Banimento do Hexagrama, afastando as criaturas que pudessem estar ali presentes. Sóror Theophana em seu turno realizou a Análise da Palavra Chave, trazendo ao local a Luz Divina. O ritual havia começado.
Cada Artifex havia escolhido um elemento a ser invocado, e naquele momento, qualquer um que houvesse passado por ali inadvertidamente, teria ouvido o murmúrio de muitas vozes.
Vozes que nem sempre pareciam revelar palavras, mas uma doce canção, como a fala das árvores, que é conhecida por Cí­rculo Iniciático de Hermes aqueles que tem os ouvidos despertos.
Algo ainda assim podia ser distinguido, e era parecido com isto: ” Estabilidade e Movimento! ” Escuridão velada em Brilho! ” dia vestido de Noite! ” Testemunha Prateada ” Esplendor Dourado!…” Ou ainda, “Espí­rito da Vida! Espí­rito da Sabedoria! De quem procede ao alento da inspiração e da expiração que formam todas as coisas…”
Era noite de lua nova, e a escuridão era ainda maior. Parecia que ao redor deles se formava uma densa cobertura de trevas. Quase não se conseguia distinguir o recorte das árvores contra o céu, salpicado por estrelas que refletem a luz da divindade. De repente, sem aviso ou decrécimo, apenas como uma ruptura brusca, e todos os sons calaram. Os cães, que antes ladravam, emudeceram. A mata, antes com sons bem marcados, também silenciara. Quando fixou o olhar sobre o pantáculo dentro do triângulo, para fazer as invocações, Frater Goya percebeu que o vento também havia parado. Apesar de haverem começado praticamente ao mesmo tempo, alguns já iam adiantados no ritual, e outros mais lentamente. Podia-se ouvir o chamado para a manifestação do elemental, feita pelo Frater Thos, e também a invocação da Sóror Coatlicue, que preenchia o vazio daquela noite.
Cada ritual é único, assim como cada realidade é única. Apesar de serem antigas fórmulas, cada uma delas produz um resultado sem par. Por isso a magia não pode ser medida. Não pode ser aceita ou negada, a não ser pelo próprio mago. E quem, depois de haver encontrado Anjos e Demônios, ousaria negar a experiência? Negar seria negar a si mesmo, negar o Criador e a Criatura. É a pior das mentiras. Mentir a si mesmo.
Frater Thos sentia a mão pesada pelo peso da espada que tentava subjugar a criatura invocada pelo pantáculo. Por vezes, parecia que a mão queria mover-se sozinha, afastando a espada de seu alvo. Mantendo a mão e a vontade imóveis, conseguiu sobrepor seu desejo ao do elemento.
Sóror Coatlicue olhava agora para o triângulo onde estava o Pantáculo. Por um instante duvidou. Ao olhar para a figura desenhada no chão, parecia que esta não estava mais ali. Olhou para o cí­rculo mágico, e este parecia emitir uma leve luz violeta azulada, destacando-se na escuridão. Estaria imaginando? Seria um truque do inconsciente?
Não existe outra realidade, a não ser aquela que moldamos durante toda a vida. A vida é como a runa em branco.
Deve ser escrita durante a existência. Ela nunca está acabada, pois o final da pintura é a morte. Cada pessoa possui uma realidade, única e intransferí­vel. Dizem que se alguém tentar pensar como outra pessoa enlouquece. Isso reflete a verdade que o homem é a medida de todas as coisas, o centro da paisagem observada. O cí­rculo mágico, desenhado no chão, representa a noção dessa realidade e seu limite. Num determinado momento, após fazer a circunvolução dentro do cí­rculo mágico, Frater Goya percebeu que um dos Neófitos, Frater Suprema Indagatio, tinha o olhar distante, perdido dentro da noite na floresta. Imediatamente, dentro do cí­rculo, voltou-se para a mesma direção onde o Neófito estava olhando… Uma sombra parecia estar imóvel, observando curiosa a atividade do grupo. Moveu-se.
Frater Goya acompanhou a figura com o olhar, e depois, rapidamente, procurou ao redor outras manifestações. Percebeu que no centro do grupo, no espaço que havia livre entre os cí­rculos, havia uma densa nuvem negra, que obstruí­a a visão.
Preocupou-se. Algo estava acontecendo. Usando a visão espiritual, perscrutou a escuridão, verificando se outros haviam percebido algo. Todos continuavam normalmente, ignorantes do perigo ao redor. Mas Frater Goya sabia que a fúria havia sido despertada.
Repentinamente, um vento rasteiro surgiu, formando redemoinhos de folhas úmidas e pequenos pedaços de graveto em vários pontos. Os 3 Neófitos que estavam num mesmo cí­rculo, pareciam imóveis, como se estivessem num sonho de olhos abertos… Frater Suprema Indagatio também voltou-se para o centro, mas com o mesmo olhar distante e vazio. Então, erguendo-se do chão da mata, surge a primeira criatura. Um ser formado pelas folhas que volteavam sobre si mesmas, e com altura semelhante a um homem, mas sem feição definida.
Imediatamente Frater Goya ergueu sua espada e partiu do cí­rculo em direção à criatura. Começara o ataque. H a v i a alguns dias que souberam dos distúrbios causados pelo inimigo, mas Frater Goya não acreditava que eles iriam atacar ali. Tinha se enganado.
A criatura avançou, e Frater Goya investiu, partindo-a é como se fosse possí­vel dividir o ar é pelo meio, e a criatura se desmanchou. Do chão, diante dele, ergueram-se mais 3 figuras fantásticas. Então, lançou sobre elas um pentagrama flamejante de exorcismo, e as figuras se desmancharam como pó sobre pó. Agora, parecia ter começado realmente um ataque das forças sombrias. Todos os Artifex interromperam seus trabalhos e voltaram-se para a cena das batalhas.
Girando sobre si mesmo, Frater Goya ainda abateu outras criaturas, e gritando, disse:
– Não saiam do cí­rculo!
Agora, mais criaturas surgiam por todas as partes, inclusive ao redor dos cí­rculos. Sombras que estavam ocultas saí­ram detrás das árvores e se lançaram também ao ataque. Frater Goya gritou novamente:
– Façam o banimento!
Cada um dos Artifex, e também dos Neófitos, recitaram as fórmulas e fizeram os sinais. Na noite ecoou um grande clamor, e os espíritos caí­ram.
Antes, porém, que se recobrasse a tranqüilidade, um grande rugido se ouviu. De velhas e grandes árvores ao redor, saí­ram quatro grandes potestades. Cada uma delas com suas respectivas legiões. A terra tremeu.
Frater Goya por um instante hesitou. Poderia vencer sozinho essa batalha? Agora, a floresta inteira parecia arder numa chama incomum, que não queima, mas fere o espírito.
Agora, os olhos não seriam de nenhuma valia, pois nada parecia ser mais real. As árvores agitavam-se, dobrando-se sobre o grupo, como se desejando aprisiona-los. Frater Goya percebeu que era hora dos Artifex provarem seu valor. Enquanto traçava um novo cí­rculo com a ponta da espada, falou:
-Neófitos! Continuem com os Banimentos. Usem os Hexagramas! Frater Thos, saia de seu cí­rculo e venha ao meu lado! Cubra-se com a capa! Sóror Colatlicue e Theophana usem suas armas!
Os Neófitos realizaram com mestria o ritual. Naquela atmosfera de pesadelo, os Hexagramas brilhavam enquanto literalmente desintegravam as criaturas próximas. Frater Goya colocou-se de costas para o Frater Thos, que brandia seu punhal. Frater Goya correu a lâmina da espada com os dedos, fazendo uma invocação, e a arma começou a flamejar. Frater Thos repetiu o gesto, e o punhal tornou-se luminoso, com uma chama branca translúcida.
Agora, a luta seria diferente. A cada golpe desferido por ambos, mais criaturas caiam ao chão, ou se desvaneciam sob o golpe da arma.
Sóror Coatlicue ergueu o bastão ao alto, enquanto pronunciava uma invocação Bárbara. Seu bastão inflamou-se na ponta, com uma chama fria, azulada. Sóror Theophana ergueu seu pantáculo e também invocou, no que este se tornou ví­treo, como o mais puro cristal.
Nesse instante, as criaturas mais próximas cederam espaço e se afastaram. Pulando e se escondendo em sombras, foram recuando. Os Neófitos também ganharam mais mobilidade, pois os Hexagramas iluminavam qual estrelas ao redor de seu cí­rculo, que também brilhava intensamente.
As legiões foram diminuindo em tamanho e força, pois a cada golpe desferido, sua energia passava às armas que as absorvia. Os cães latiam freneticamente à distância. Todos os animais se despertaram, e a floresta ficara inquieta.
Frater Goya e Frater Thos, ainda próximos e de costas um para o outro, desferiam golpes certeiros que rasgavam as criaturas e as desmanchavam. Frater Thos teve o braço atingido por um dos demônios com cara de cão, mas não era hora de parar. O ferimento era negro e parecia corroer as entranhas de Thos. Ainda assim, ele ergueu seu punhal e desfez a criatura.
Trataria depois de si mesmo.
Frater Goya quase iluminava ao redor, tão rápidos eram os movimentos com a espada flamejante. Na noite, parecia uma imensa leminiscata desenhada com fogo, que afastava e derrotava as criaturas. Um dos demônios atirou-se sobre ele, mas o manto crepitou e a figura tombou. No alto das árvores, milhares de olhos observavam.
Depois de um combate sem tréguas, restavam ainda as quatro potestades. A cena era a seguinte: Sóror Theophana e Coatlicue, cada uma em seu círculo, com suas armas em riste.
Frater Goya e Frater Thos, agora, lado a lado, também preparados. Falou uma voz sem palavras:
-E então Frater Goya, achava que tivéssemos nos esquecido?
-Não. Justamente por sua recordação, achei que não viessem mais aqui. Não aprenderam o suficiente?
-Idiota! – esbravejou outra voz – Estamos aqui há muito tempo. Quem você acha que é, para nos expulsar?
– E desde quando vocês pertencem a algum lugar, que não seja a prisão onde vivem?
-Insolente! – disse o primeiro – Somos os Antigos, e nada pode nos deter, nem cela, nem paredes, nem coisa alguma.
-Mas não podem quebrar seu juramento. – disse Frater Goya – Na primeira vez que os derrotei, haviam jurado não voltar.
-E não voltamos, disse um terceiro. Não queremos você. Mas a corja que o acompanha.
-De quem você fala cretino? – Esbravejou Frater Thos.
-Tola criança… Acha que tem autoridade para nos enfrentar?
-Pois pelo poder que estou investido, dou a eles o poder de enfrentarem a vocês.
-Você não pode fazer isso! – Disse o primeiro.
-Não posso? Já fiz. Ou acha que teria trazido-os aqui despreparados?
-Não nos desafie! – Disse aquele que estava quieto até então.
-Ol sonf vorsag, goho iad balt, lonsh calz vonpho. Sobra z-ol ror I ta nazps; Od graa ta malprg, qaa nothoa, od commah (1)!
Os demônios não haviam percebido, mas agora os Artifex haviam se formado em cí­rculo ao seu redor. Na discussão as criaturas se deixaram ficar entre eles. Ao sinal dado pelo Frater Goya, Sóror Theophana lançou seu pantâculo no meio das figuras e este ficou em pé, brilhando intensamente. Frater Goya retirou sua túnica e jogou sobre eles. A túnica pareceu aumentar de tamanho, até conseguir se estender por sobre as figuras e as envolver, caindo no chão, sobre o pantáculo em seguida.
Quando o pano foi retirado, nada mais havia ali. Apenas o pantáculo agora caí­do no chão.
Frater Thos se aproximou para pegar o pantáculo, e olhou ao Frater Goya, como se pedindo permissão, que o mesmo consentiu com a cabeça. Ao erguer perto da vista o objeto, todos os sí­mbolos que ali haviam tinham sumido. De cada lado do disco, quatro figuras horrendas com as bocas hediondas abertas num desespero mudo. O disco passou por todos, e por fim, Frater Goya explicou:
-Já havia os encontrado numa outra ocasião, e eles estavam despreparados. Pensei que uma vez subjugados eles nunca mais retornariam. Mas por hoje, vi que mesmo dominados, eles podem tentar reivindicar sua fúria novamente.
-Quando você os encontrou? – Perguntou Soror Coatlicue.
-No ritual de Abra-Melin. Mas isso foi há muito tempo.
-E por que voltaram? Eles podem quebrar um juramento? – perguntou Frater Suprema Indagatio.
-Eles queriam que os libertasse, e tentaram leva-los com eles.
-Porque levar? O que eles viram em nós? – Perguntou Frater Thos.
-O ser humano é feito de luz. E durante o ritual, foram atraí­dos pela luz que emanava do nosso grupo, como mariposas são atraí­das por uma fogueira. Diante de tal brilho, ficaram cegos e resolveram arriscar. A tentação foi tão forte que esqueceram até mesmo do juramento.
-O que acontece agora com eles? – Perguntou Frater Hilarus.
-Ficam presos aqui nesse pantáculo até que eu os liberte, quebrando o disco.
-E você vai soltá-los? – Perguntou Sóror Ametista, meio ressabiada.
-Quem sabe. Vou mantê-los aqui para lembrarem do seu juramento. Mas como mago, não posso prende-los para sempre.
-Por que não? Eles não são maus? – disse Sóror Coatlicue.
-Não. São forças cegas. Eles agem por instinto e não por emoções ou pela razão. É sua natureza. E não posso mantê-los eternamente, pois eles fazem parte da natureza. E tem responsabilidades a cumprir. Mas posso segurar um pouco isso, só pra eles não se esquecerem novamente.
-E se esquecerem novamente? – Perguntou Frater Thos.
-Não se esqueçam o que é o Ritual de Abra-Melin. Se houvesse algum risco maior, ou se isso se repetir, o Anjo Guardião poderia intervir, e o resultado seria preocupante.
-O que aconteceria?
-Eles seriam destruí­dos e outros tomariam seu lugar.
Deixariam de existir para sempre, como é dito no capí­tulo 28 de Ezequiel. Serviriam de exemplo. Mas eles não se arriscariam tanto.
-Mas e nosso ritual? E agora? Teremos que recomeçar tudo de novo? – Perguntou Sóror Theophana.
-O quê? E começar outra guerra? – brinca Frater Thos.
-Mas eu não achei que deu certo minha invocação. – brincou ela.
-E você tem alguma dúvida? Mais que uma invocação, vocês despertaram poderes da natureza, e tiveram que lutar por isso. Ainda bem que estavam bem preparados. Agora invocar novamente, fica para uma outra. Por hoje, é hora de descansar.
Todos riram muito e concordaram com Frater Goya, retornando a casa onde estavam hospedados. Ninguém dormiu mais aquela noite. Beberam vinho, comeram pão e ficaram falando sobre as questões que envolvem esse tipo de prática.
Depois daquela aventura, todos viram a importância de ter tranqüilidade e força para poder realizar um ritual desses. Sóror Ametista cuidou da ferida de Frater Thos, que curou-se rapidamente, pois a magia que a provocara havia sido contida.
O negrume se transformou em noite calma, e as estrelas Cí­rculo Iniciático de Hermes cintilavam como nunca, celebrando essa vitória do grupo…
Fim do Conto.

(Footnotes)
1 Eu reino sobre vós, disse o Deus de Justiça. Em poder exaltado sobre o Firmamento da Ira; em cujas mãos o Sol é como uma Espada e a Lua como um fogo acometedor, o que mede vossas prendas no meio de minhas vestimentas, e prendeu-os juntos. – Chamada Enochiana.