A mentira de Melquisedec

Curitiba, 26 de agosto de 2003. 20h
An iv11 Sol 3° Virgo, Luna 25° Leo Dies Martis

Quando cheguei do Rio de Janeiro, vi pela lista do CIH que estavam tendo uma discussão sobre um suposto terapeuta, que se dizia sacerdote de Melquisedec, e que passava várias informações truncadas sobre o conhecimento esotérico. O suposto sacerdote estaria em Curitiba no dia 26, que é hoje, e o pessoal da lista pretendia ir lá para saber o que estava acontecendo. Cheguei a dar minha opinião, dizendo que seria perda de tempo ir até lá para ouvir tal pessoa.

À noite, recebi um telefonema do Frater Seth, dizendo que seu sogro estaria por lá, e que estaria disposto a vender um carro para participar de um curso do sujeito, e ainda, que estava tentando levar a filha e a esposa junto com ele. Conversamos um pouco, e finalmente cedi ao pedido do Frater Seth. Isso aconteceu no dia 25 à noite.

Durante o dia, pedi ao Frater Appollo Pan 721 que entrasse em contato com o restante do pessoal, para irmos todos ao local da palestra. Quando chegamos ao local, já havia muita gente se preparando para o evento. Estavam ali, pelos nossos cálculos, mais de cem pessoas.

O pessoal ia se sentando no chão, onde houvesse um espaço vazio. Todos deixamos nossos sapatos do lado de fora (uma exigência do local), e nos sentamos próximos à porta. Estavam ali comigo – Soror Keridwen, Frater AP 721, Frater Seth, e Frater DAM 38. Posteriormente chegaram: Soror Hathor, Soror Temperance, e Frater Calixto.

Assisti tudo com o máximo de tolerância possí­vel. O palestrante falou de suas viagens de Aurora (DF), Ilha de Páscoa, etc. Todos ali sabiam as datas das viagens quase de cor, o que para mim, soa quase como fanatismo religioso.

Dentre as besteiras que ele falou, posso citar de cabeça pelo menos as seguintes:

* Que foi até Aurora (DF), fazer um ritual de energização da terra, para os 144 mil avatares que nasceriam sob os auspí­cios de Buda Maitréia, e que seriam focos da divindade encarnada.

* Que receberam lá uma famí­lia de argentinos (pai, mãe e filho) e que a criança, sofrendo horrores espirituais incrí­veis (nas palavras do tal Henrique), foi curada em Aurora, com a benção do ritual realizado. (Antes que eu esqueça, o ritual foi feito para Órion, Plêiades e Sí­rius).

* Disse que marte no dia 27 seria do tamanho da Lua Cheia. (!!! Na melhor das hipóteses, quero acreditar que ele esqueceu de mencionar que isso seria no caso de se olhar para Marte usando uma luneta de 25x de aumento!!!).

* Disse que Serápis Bei estava sobre a Pirâmide de Quéops e que ele seria Seth (o deus egí­pcio) e que reinaria sobre a humanidade no ciclo atual, trazendo uma era de luz.

* Disse ainda que estava indo ao México trabalhar nas antigas pirâmides para libertar as almas das crianças que estavam presas ali (!!!!).

Após desfiar esse rosário de absurdos, fez uma meditação com músicas que eram do estilo do Padre Marcelo ou de evangélicos misturado com academia de ginástica, enquanto usava uma técnica de pastor de ponto de Ônibus para chamar a “luz lí­quida” sobre o público.

Durante todo o evento, pude perceber que a grande maioria das pessoas sentia uma admiração sincera por aquele indiví­duo. Fiquei impressionado por ver como aquelas pessoas estavam sendo enganadas por aquela vigarice e ainda assim estava gostando! Isso me deixou profundamente preocupado, porque me fez tomar consciência de quão frágil é a crença das pessoas, e de como é fácil induzir alguém a errar.

Vivemos atualmente num mundo atribulado, onde o ser é definido por sua profissão, e não por suas qualidades enquanto indiví­duo, cada vez mais fragilizamos o indiví­duo favorecendo a coletividade. O desejo de ser normal, ou melhor, de ser aceito pela maioria conduz as pessoas à verdadeira morte do ego, fazendo do indiví­duo uma casca vazia que apenas repete mecanicamente um padrão definido.

Por outro lado, ser diferente hoje também se tornou uma coletividade. Já que os vários diferentes acharam seus iguais formando grupos. Mas qual seria a saí­da? Se buscar ser diferente hoje é o normal, e o normal é a aceitação da maioria, tudo é uma coisa só. O que se deve buscar é a plenitude da existência. Viver a vida em todos os aspectos possí­veis, mesmo que a escolha seja não fazer nada, se isso for da sua natureza. E mesmo que isso num grau menor significar ser normal, já será diferente. Como? Pela consciência. E é essa consciência que se diferencia o “normóide” do “iniciado” ou “adepto”.

É esse tipo normóide que se amontoava pelo chão da sala ainda em construção. Pessoas que por não ter a consciência dos seus atos, empresta a consciência do outro ou paga pra quem tem. E pelo visto, pagam caro. Enquanto de um lado eu buscava pessoas pra viabilizar o custo de uma ida à São Paulo, ali naquela sala discutiam viagens ao México, Ilha de Páscoa, etc. De onde vem esse dinheiro? Além de mentes compartilhadas, o bolso também é compartilhado.

Aguardei o final da palestra antes de tomar qualquer atitude. O palestrante fez uma meditação orientada por aproximadamente 15 minutos. A primeira música era tranquila, mas as outras lembravam banda de rock evangélico ou gospel. E se não fosse o incenso e um calendário Maia, poderia confundir a reunião com uma missa evangélica fundamentalista, e o palestrante seria um pastor barato, que garante na pregação o salário do mês. No caso, garantia mais uma viagem ao México.

Quando a meditação acabou, a Soror Keridwen se levantou e saiu. Um pouco depois, o Frater AP721 reclamou de sede. Comentei que a Soror Hathor poderia trazer-lhe Água. Ele preferiu sair. Não voltou mais para a sala. Ficamos ali apenas eu, Frater Dam 38, Frater Seth e Frater Calixto.

Me levantei e comecei a fazer uma seqüência de perguntas que tento reproduzir integralmente, tanto quanto me seja possí­vel.

– Prezado Henrique. Alguém comentou comigo que você fala várias lí­nguas antigas, é isso mesmo?

– Cinco. Falo cinco lí­nguas antigas e do espí­rito. Desde os 2 anos.

– Ok. No último final de semana estive no Rio de Janeiro e trouxe-lhe uma mensagem que recebi. Essa mensagem é para você. Se possí­vel, gostaria que você traduzisse aos colegas o que vou lhe falar.

– A lí­ngua do espí­rito não deve ser traduzida. – interrompeu ele.

– Sem problemas. Mas vou falar mesmo assim, porque é direito deles saberem – Dito por Djehut, Senhor do Khemenu, escriba dos deuses, não nascido, sem genealogia, auto-criado. Escrito pelo escriba Goya, Justo de Voz: Põe uma trava diante de tua lí­ngua, para que tuas palavras não destruam tua paz e envergonhem a tua casa.* – Continuei falando: A segunda coisa, é que você comentou que esteve em Aurora/DF, fazendo um ritual para Órion, Sí­rius e as Plêiades, foi isso?

– Sim. Sí­rius e Plêiades. – Ele omitiu Órion, mas na palestra citou mais de uma vez.

– Mas nessa Época do ano, pela nossa latitude/longitude, não são visí­veis no Brasil. Como vocês fizeram o ritual? Elas estão abaixo da linha do horizonte.

– No sentido cósmico, as posições não são importantes. O que importa é o ato em si.

Não quis me alongar, mas é no mí­nimo curioso observar que momentos antes ele falava sobre o tempo mágico, a hora que iriam chegar os 144 mil avatares da humanidade num momento mágico. Ou seja, o momento, as conjunções tempo/espaço só são importantes ao convencer o ouvinte a abrir a carteira, mas não são importantes no sentido ritual. Ou, dito de outro modo, se usarmos o ponto de vista do tal Henrique: Podemos fazer novos avatares a todo o momento, e o calendário Maia, que ele tanto defende é um poster. E o tal momento mágico que ele foi vivenciar em Aurora/DF, é comprovadamente, uma mentira.

– Mas até onde sei, a pirâmide foi construí­da respeitando essas relações astronômicas, e os rituais eram celebrados quando o monumento se alinhava com as constelações.

– Isso é um saber do Ego. Na vida do espí­rito, não é assim.

Novamente, não quis ser agressivo, mas é curioso observar que argumentação dele vai contra a cultura egí­pcia, já que para ele, os alinhamentos óbvios, hoje comprovados por fotos de satélites, foram feitos apenas por um desocupado e não possuí­a nenhum sentido além. Ou seja, a pirâmide não serve para mais nada, a não ser existir para aguardar o Henrique para ir lá libertar as milhares de almas que estão aprisionadas nos corredores do monumento, como ele disse que seria sua missão indo ao México.

– Além disso, – falei – você falou sobre Serápis Bei ser o equivalente ao Seth egí­pcio. E que Seth iria governar o atual ciclo. Ápis era adorado como o Boi no Antigo Egito, numa Época anterior ao florescimento do mito de Osí­ris. Seth era tido, segundo o mito de Osí­ris, como a encarnação de todo o mal. Como poderia ele representar o amor Crí­stico? Além disso, o animal dedicado a ele era um jumento, não tendo nada em comum com o boi.

Devo interromper um pouco a narração para esclarecer que nem mesmo o jumento era o animal sagrado de Seth, mas um animal semelhante que até o momento não foi identificado.

O Henrique argumentou novamente, dizendo que isso era um saber do Ego, e ele era um sacerdote de Melquisedec desde os dois anos. Me acusou de tomar uma postura agressiva, de ir ali confrontá-lo.

Da minha parte, falei que meu objetivo ali era apenas levar uma mensagem recebida no final de semana no Rio de Janeiro (ver diário do dia 23/24). E não pretendia confrontá-lo, mas que sua exposição tinha me levantado aquelas questões. Quando ele falou sobre ser um sacerdote, invocando uma autoridade que ele não tinha, olhei diretamente nos olhos dele e falei:

– Olhe nos meus olhos, e você saberá quem eu sou, de onde eu vim e o que estou fazendo aqui.

Ele não olhou diretamente nos meus olhos, mas sorrindo disse:

– E você, veja minha luz sólida, e também vai saber quem eu sou.

O clima estava extremamente tenso, e se fez um segundo de silêncio eterno, e finalmente, alguém do grupo dele disse:

– Veja a nossa luz!

– Eu vi e agradeço a sua acolhida – respondi. – Minha função era apenas trazer essa mensagem, e ela foi entregue. Cabe a você agora – disse apontando para o Henrique – Passar ou não a mensagem para as pessoas aqui presentes. Boa noite! – Falei e me dirigi imediatamente à porta.

O ar estava tão pesado que se podia cortar com uma faca. Saí­ e encontrei o pessoal do CIH que tinha saí­do antes do evento todo entre eu e o Henrique.

Não pretendo comentar essa retirada de alguns membros, até porque de uns eu esperava isso baseado na convivência. Mas de outros, só posso lamentar, pois capitularam antes de haver a luta começado.

O que eu apreendo dessa situação toda é que a escravidão ainda existe, e ela é passiva. “Os escravos servirão!” – Liber Al.

O pior de tudo, é que agora as pessoas vão livremente às naus escravagistas, ao comércio escravo entre ordens, e aceitam a canga sorrindo e mostrando os dentes. Mas o sorriso não é nem de prazer nem de defesa, mas como um cavalo que está prestes a ser comprado.

Pessoas como esse senhor me fazem acreditar no trecho bí­blico em que muitos falarão em nome do Senhor, apenas para escravizar. Lobos em pele de cordeiro.

Frater Goya

Notas:
* Original em Egípcio.