Palanque no Banhado

Por algum tempo vivi em paz. Mas sempre alguma coisa abala o sentimento extático que a paz é capaz de trazer ao espí­rito humano. No tarot, a carta denominada “Paz”, é representada por duas espadas cruzadas presas pelo centro por uma rosa. O que isso quer dizer? Que na verdade a paz é um estado impermanente, cujo menor movimento, mesmo o melhor intencionado pode romper e trazer novamente a guerra.

Recentemente, coloquei uma frase no meu programa de mensagens instantâneas na internet (uso mais de um, por isso não dou o nome de nenhum) que dizia: “Tem gente q disse ter visto o SAG, mas a meu ver, só achou um amiguinho invisí­vel. E isso só é bom até 6 anos!”. – A mensagem tinha como objetivo especí­fico incomodar algumas pessoas. Por que eu desejaria incomodar alguém? Justamente porque no meio mágico/esotérico/ocultista, todo mundo vê tudo, sente tudo, prevê tudo. Menos a sua própria queda, menos a sua própria vergonha. E curiosamente, para meu espanto, as pessoas que se sentiram mais incomodadas, não eram aquelas a quem eu havia direcionado a frase originalmente. Mas além disso, o que mais me espantou, é que muitas pessoas tem na cabeça uma confusão enorme de influências mí­stico/mágicas e isso nos alerta que o caminho esotérico ocidental não mais existe. Isso já foi alertado por vários autores, valendo a citação de René Guénon, que justamente abismado pela falta de tradição nos movimentos esotéricos da sua época, começa a escrever sobre a natureza do que seria a Tradição Ocidental. É claro que esse é apenas um aspecto da obra guenoniana, mas sem sombra de dúvida, a força motivadora, foi a ignorância alheia.

Gostaria de emprestar da maçonaria um conceito muito importante em termos de tradição que é o Landmark. O que é um Landmark? Empresto algumas definições da Wikipédia. No verbete podemos encontrar:

“Os landmarks da Maçonaria são um conjunto de princípios que não podem ser alterados para que se mantenha a unidade maçônica mundial e prevêem a obrigatoriedade dos maçons serem filados à lojas, da crença em um ser superior (O Grande Arquiteto do Universo), da obrigatoriedade de trabalhar-se em 3 graus simbólicos, entre outros.

O último landmark sempre prega que nada poderá ser mudado, de todos os landmarks. NOLUMUS LEGES MUTARI

Há inúmeras discussões de que os landmarks devem evoluir, mas são cláusulas pétreas, são os limites da maçonaria e portanto não são passí­veis de discussão.

Alterá-los significaria romper a sintonia maçônica mundial.

Origens

Segundo Percy Jantz, o termo maçônico Landmark tem origem bí­blica. O termo pode ser encontrado no livro dos Provérbios 22:28: “Remove not the ancient landmark which thy fathers have set.” para destacar como os limites da terra foram marcados por meio das colunas de pedra. Cita mais uma lei Judaica: “Não remova os marcos (landmarks) vizinhos, eles tem sido usado desde os tempos antigos para definir as heranças.” para destacar como os marcos designam os limites da herança. [1] Mark Tabbert acredita que as regras e regulamentações atuais regidas pelos landmarks são derivadas das regras medievais dos stonemasons.[2]”

Fonte: Wikipédia, a Enciclopédia Livre. Artigo: Landmarks

Essa citação nos leva novamente à motivação desse texto. O que Landmarks, Sagrado Anjo Guardião e Tradição têm em comum?

Para responder isso, é preciso compreender que em magia, ou melhor, na prática mágica, não existem atalhos, não existem achômetros (acho que, talvez, pode ser…), não existe permissividade (Sim/Não, Certo/Errado, Funciona/Não Funciona, e assim por diante.). Ou seja: a magia é binária ou ainda, maniqueí­sta. Mas longe de ser purista, radical, ou qualquer outra denominação que possamos dar, e rotular, essa chamada limitação, tem uma função muito importante que é a de manter, conservar e transmitir o que chamamos de Tradição. Entendendo-se a noção de tradição, como aquilo que é transmitido, aquilo que é herdado, tal qual a palavra qblh no hebraico, que quer dizer: aquilo que foi recebido.

É claro que podemos expandir o conceito de tradição em muitas direções, mas no caso, a definição dada será suficiente.

Quando falamos em evolução espiritual, treinamento espiritual, ou seja o nome que for dado a esse desenvolvimento, estamos falando diretamente da Tradição, e Tradição significa entre outras coisas, postulado, regras, bases imóveis por milênios.

Diversas vezes fui abordado em listas, chats, comunidades, programas de mensagens instantâneas, pessoalmente e por telefone sobre o que vinha a ser alcançar o conhecimento e a conversação com o Sagrado Anjo Guardião. Nessas ocasiões, me chamou a atenção justamente o desconhecimento do que seria a natureza do mesmo. E justamente pela pluralidade dessas tentativas de enquadrar o Anjo Guardião numa classe de seres, pude também perceber o despreparo dos chamados Tutores, Mestres e Professores de ocultismo, o que revela que na verdade, essas pessoas desconhecem totalmente o significado da operação de Abramelin e de suas regras fixas. Não pretendo me alongar sobre isso, uma vez que o assunto já foi extensamente tratado noutras ocasiões.

Para quem perdeu, seguem os links abaixo de cada matéria em que trabalhei o assunto, seja por textos meus, seja por traduções de trabalho de outros.

Codex 01 O CIH não é uma Religião – sobre Tradição e suas implicações. Para Download.
Em Busca do Sagrado Anjo Guardião – SAG – Texto de Frater Goya sobre a experiência do SAG
Explorando a Magia Sagrada de Abramelin, o Mago – Texto de Aaron Leitch traduzido sobre o Ritual de Abramelin
O Sagrado Anjo Guardião não é o “Eu Superior” – Texto de Aleister Crowley, traduzido sobre o significado do SAG
A Lí­ngua dos Anjos – Transcrição de um diário da época da realização da Operação do Ritual de Abramelin

Ao se tratar o assunto com leviandade e permissividade, o que é feito na realidade, é desviar do reto caminhar, é colocar no mesmo patamar o sábio e o néscio, o mago e o mágico, o iluminado e o charlatão.
Não se trata aqui de desvalorizar as experiências de um jardineiro que com sua arte obteve a iluminação, ou do monge que com suas práticas também chegou lá. Mas sim de combater a contra-iniciação, com a iniciação de fato ou verdadeira.

Quando alguém seja por eleição, ou auto-imposição assume o lugar de mestre, torna-se necessário uma profunda mudança no seu ser. Pois um cego não pode guiar outro, e como dizem os alquimistas, é preciso ter ouro para produzir ouro. Ser um mestre, é ser alguém que deveria levar seus tutoriados à iluminação, e não às trevas. Tratei desse item extensamente numa das partes do codex 06 – Como se Estuda Magia (clique para fazer o download). Um mestre de verdade preocupa-se com seu discipulado e principalmente, evitará ao extremo conduzí­-los por caminhos de ignorância onde ele mesmo desconhece o final.

Não se pode conduzir uma pessoa em direção à Verdade, dizendo-lhe uma mentira. Portanto é mister que a pessoa pare antes de mais nada de mentir a si mesma. Essa foi a primeira constatação que tive ao realizar o Ritual da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago. Logo no primeiro dia, ao ficar na varanda cuidadosamente preparada para a operação, me deparei com uma série de questões que quase me levaram a cancelar tudo.
Ou melhor, tive de respondê-las satisfatoriamente a mim mesmo, antes de optar por continuar o ritual de 6 meses (na verdade, 6 luas).

– O que eu esperava encontrar?
– Era para minha glória ou para a Glória D´Aquele a quem nada, a não ser o silêncio pode expressar?
– Fazia isso para dizer aos outros que fiz, ou era livre da ânsia de resultados e portanto parte da minha Verdadeira Vontade?
Só poderia seguir adiante se antes de mais nada, parasse de mentir a mim mesmo, e depois de mentir aos outros.

Talvez alguns achem isso óbvio demais, ou simples demais. Porém, quando chegamos à certas encruzilhadas na vida, ou somos capazes de subjugar essas questões sinceramente, ou somos devorados por elas, tal como um Édipo falido diante da enigmática Esfinge. As questões podem variar (as minhas eram diferente do enigma de Édipo ou da pergunta que Parsifal deveria fazer ao Rei Pescador), mas as respostas tem em si a mesma natureza. A retidão do caminhar pelo caminho da Tradição. E só podemos nos sentar no Lugar Sagrado, se os passos que nos conduziram até ali foram firmes e não vascilantes.

Vivemos num mundo do descartável, do passageiro, da permissividade, da superficialidade que se antepõe à dedicação, à Eternidade, e principalmente, à Verdade. Não quero que fique aqui uma imagem de pseudo santidade, mas sim uma imagem de dedicação. Um magista jamais dobra os joelhos diante de nada, a não ser que encontre alguém ou alguma coisa que seja maior que ele. E essa coisa pode ser definida pela expressão “Aquele a quem nada, a não ser o silêncio pode expressar”, de quem o SAG nada mais é do que a Manifestação e a Voz Verdadeira. Se no momento crucial do encontro do Magista com o SAG, houver o menor resquí­cio de Trevas (representadas pela mentira, dissimulação, preguiça, procrastinação, e uma infindável lista de demônios interiores), o contato é rompido uma única e derradeira vez. Não deve-se pensar no entanto, que o sucesso desta operação é vetado às pessoas de ní­vel mediano, ou mesmo aos simples de coração. De fato, somente esses é que serão capazes de alcançá-la.

Pois quanto mais nos dedicamos a ser aquilo que não somos verdadeiramente, mais longínquo e remoto se torna o contato. Aos jogadores, sou obrigado a revelar que Aquele, a quem nada a não ser o silêncio pode expressar, não joga com a vida. Ou é, ou não é. Diante dele não podemos viver a fantasia que erguemos para que o mundo nos conheça.

Diante D´Ele estamos nus e somente assim nos apresentamos. Somente pela retidão alcançaremos o final da Escada de Jacó. Pela dedicação jantaremos na mesa do Rei Pescador. Pela pureza estaremos limpos o suficiente para nos aprensentarmos nús e sem vergonha da Sagrada Presença.

Qualquer desvio das regras estabelecidas pela Tradição Primária, só nos levará ao Abismo do Desespero, à dissolução da Alma no Duat, com uma bússola que norteia em direção que ao invés de nos aproximar orientando, nos afasta da Cidade das Pirâmides.

O que havia para ser dito, foi declarado. Quem tiver olhos de ver, e ouvidos de ouvir, que veja e que ouça.

Em L.L.L.L.,
Fr. Goya – Anderson Rosa
Ank – Usa – Semb
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